2 de agosto de 2011

História de Nhá Barbina






Quando nega velha veio de Luanda, veio com os olhos rasos d’água.
O coração vinha tão sofrido, tão despedaçado, 
era tanta dor que chegava inté sufocar.


Nega veia ficava o tempo todo a indagar:
- Donde está o Deus de nossos Ancestrais 
que nada fez para nos livrar dessa situação, dessa vergonha?
Donde tava os guerreiros de nossa tribo que nada faziam?
Donde tava toda valentia que demonstravam na tribo?
Maldita ambição de ser rico, de herdar outras terras e 
conquistar outras tribos! Maldito Barnabé! 
Por culpa dele nois estava ali aprisionado. 
O que me dava um certo conforto é que ele também tava preso
iguarzinho a nós. Caiu na merma arapuca que armou!


Em um momento nosso olhar se cruzou e eu lhe disse:
- “maldito negro, viu no que deu tua ambição? Tu vendeu 
toda tua gente. Enquanto vida eu tiver Barnabé vou te cobrar 
por tudo isso! Fica bem longe de mim! Pois se me sortar daqui
num sei de que sou capaz”.


O capataz que tomava conta de nois a tudo ouviu e me disse:
- Negra é melhor parar com essa briga,  pois nada vai adiantar, 
porque se continuar falando eu vou cortar tua língua.
- Me aquietei por alguns instantes no meu canto, ou melhor, 
no canto que me restava. Como aquelas correntes doíam! 
Como fedia aquele porão! Como eu tinha nojo daquela situação! 
Ambrósio que vinha ao meu lado disse:
- Barbina, Barbina! Cala tua boca se não vai ser pior pra nois. 
A tua revorta pode nos levar a coisa pior e seja lá pra donde eles tão 
nos levando eu quero chegar vivo.
- Suncê é outro Ambrósio, frouxo e covarde! Mas, deixa eu sair daqui, 
suncê e os outros vão ver o que eu vou fazer...


Nem cheguei a terminar o que estava dizendo já senti 
nas minhas costas forte chibatada e a voz do capataz a dizer:
- Negra atrevida e arredia se tu trata os da tua laia assim, 
o que não irás fazer aos que vais servir? O patrão não gosta de quem
reclama e fala demais, já te avisei para fazer silêncio ou queres virar 
comida de peixe?
- Eu estava ensandecida, num tinha ainda aprendido a lição. 
A chibata ao invés de me amedrontar fez com que eu sortasse a língua
mais uma vez.
- Num tenho medo de suncê, nem do seu patrão, além do mais suncê só mostra valentia porque tem uma chibata na mão, queria ver se suncê 
é tão valente sem ela. Qui me alembre foi à última frase que falei.


Para dar exemplo aos outros negros, o maldito capataz disse:
- Pensando bem negra, não vou fazer você virar comida de peixe não, 
seria um desperdício, pois, você tem braços e pernas fortes. 
O ódio que sentes e corre em tuas veias vai te ajudar a trabalhar; 
se eu te matar vou ter de pagar ao patrão que não fica com nenhum
prejuízo. Vou fazer algo melhor! Vejo que o teu corpo tem uma parte 
que não é muito boa e quando algo não tem serventia deve ser retirado. 
Já sei como vou te calar negra maldita!


Em seguida o capataz olhou para os outros negros e disse:
- Que sirva de exemplo a todos. E de uma vez por todas entendam 
quem manda por aqui.
- Levei mais dez chibatadas, desmaiei de tanta dor. Porém, 
o pior ainda vinha. Sem piedade nenhuma o capataz arrancou minha 
língua e entre risos e sarcasmos disse:
- Fala negra! Fala agora que eu quero ver! Mostra tua valentia!
- Olhei para negro Ambrósio, dos olhos dele desciam fortes lágrimas. 
Barnabé nem levantava o rosto e tapava os ouvidos para não ouvir 
meus gemidos. Ele enlouqueceu de tanto pavor!


Ambrósio convenceu ao capataz a deixar cuidar de mim já que 
se eu morresse haveria prejuízo para o patrão. Nunca mais negro 
Ambrósio se afastou de mim e servimo juntos na mesma fazenda. 
Eu na cozinha da Casa e ele cuidando dos animais da fazenda e na 
época do charqueado ficava nessa lida.


Num preciso dizer que levei o resto dessa existência amargando minha rebeldia e da minha voz nenhum som mais se ouviu. Porém eu escutava 
muito bem, e embora, não pudesse responder escutava vozes que 
diziam: tem paciência Barbina, um dia tudo isso vai passar e suncê outra
vez vai fazer faladô.
Suncês nem imaginam minha alegria quando voltei pra Aruanda dispois de fazer meu passadô ao ver que tudo voltava a ser como antes; nada 
fartava em meu corpo. A língua que me fizera tanta farta na vida física 
agora só usaria para as coisas úteis.


Nega Barbina havera aprendido a lição: “ouvir mais, trabalhar e falar menos”.


Nhá Barbina, Preta Velha de Luanda

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